O sonho de melhorar a condição de vida e ter uma casa própria virou um terrível pesadelo para centenas de famílias bolivianas em São Paulo. Vítimas de um golpe, pessoas que deixaram seu país fugindo da pobreza e do desemprego, hoje, estão em condições precárias, no limite da sobrevivência.
À primeira vista, o Consórcio Pasanaku parecia uma boa opção de investimento. Sempre bem vestidos e com uma excelente oratória, os irmãos bolivianos Jaime Wilston Chuquímia e Bladimir Mamani Chuquímia , empresários idealizadores da iniciativa, prometiam rendimentos rápidos e consideráveis.
A ideia seduziu parte da comunidade boliviana em São Paulo, que atualmente, com cerca de 75 mil membros, é o maior grupo estrangeiro residente na capital paulista. É comum que famílias inteiras venham para o país sem qualquer garantia de emprego ou moradia, contando apenas com suas economias.
Os irmãos Chuquímia conheciam muito bem os dramas e dilemas de seu povo, bem como as esperanças. Aproveitando-se da confiança que gozavam de muitos, elaboraram um plano para arrancar centenas de milhares de reais dos imigrantes, sem que pudesse levantar qualquer suspeita.
Pirâmide em forma de consórcio
O golpe que começou a ser aplicado em 2017 funcionava como um consórcio. Reunidas em um grupo, as pessoas deveriam se comprometer a depositar mensalmente um valor fixo em um conta única. O prazo seria de 30 meses e as parcelas variavam de R$ 334 à R$ 1.667.
Também era estabelecido que a cada semana, quinzena ou mês haveria um sorteio que premiaria um dos integrantes do grupo. Os prêmios variavam de acordo com as parcelas e iam de R$ 10 mil a R$ 50 mil.
Estimativas realizadas pela Associação União dos Migrantes Latinos, filiada à CSP-Conlutas, dão conta de que até duas mil pessoas podem ter participado, ou ainda participam, do consórcio dos irmãos Chuquímia. Em alguns casos os investimentos foram de até R$ 300 mil.
Ganhar no Pasanaku dependeria da sorte, porém os sorteados jamais receberam os prêmios. Para enrolar os ganhadores não faltaram artimanhas. Primeramente era exigido uma garantia de que a pessoa cumpriria os 30 meses previstos.
A realidade mostrou que ninguém teria condições de provar a renda exigida como garantia. Nessa situação, o consórcio simplesmente não pagava o ganhador. Ciente de que haveria muitas reclamações, os Chuquímia providenciaram alternativas.
Rede de mentiras
Sem receber o dinheiro, a vítima do golpe poderia escolher ter um contrato com o Grupo Smart – uma das onze empresas que os Chuquímia já tiveram em seus nomes – que, supostamente, iria render de 3% a 5% do dinheiro investido.
Outra opção era adquirir um plano de habitação. Neste, o interessado continuaria arcando com as parcelas para receber, em um prazo mínimo de dois anos, a posse de parte de um terreno em Itaquaquecetuba, cidade localizada próxima a Zona Leste de São Paulo.
Durante anos, Jaime e Bladimir Chuquímia gravavam vídeos no local. Com um discurso irretocável e habilidoso eles prometiam a construção de casas e até mesmo sugeriam que as obras estavam em andamento.
Os vídeos que circulavam nos grupos de Whatsapp encantaram novas vítimas, que seduzidas pelas facilidades apresentadas para conquistar um imóvel não pensaram duas vezes antes de realizar o primeiro depósito.
Mas, em 2019, o sonho de muitos começou a ruir. Embora o terreno apresentado pelos Chuquímia realmente existisse, jamais foi feita a compra do local. Não havia nenhuma casa construída e as pessoas voltaram a cobrar os irmãos sobre o que seria feito com o dinheiro investido.
Pressionado e sentido-se acuado pela primeira vez, Jaime afirmou que devolveria o dinheiro, mas em 10 parcelas. Novamente, esta era apenas mais uma mentira, para seguir lesando seus compatriotas.
A sede da empresa Smart mudou de endereço seguidas vezes em São Paulo. Os Chuquímia ficaram um tempo no anonimato e nenhuma família foi paga. Ainda assim, com medo de perder todo o dinheiro depositado, há famílias que ainda realizam depósitos mensalmente.
Famílias vivem drama
Perder todas as economias ou o dinheiro ganho com muito esforço todos os dias foi uma tragédia. A situação fica ainda mais dramática quando se trata de famílias de migrantes, que muitas vezes, não têm a quem pedir ajuda.
Os efeitos do golpe dos irmãos Chuquímia foi devastador. Há inúmeros relatos, desde de jovens que ficaram sem dinheiro para os estudos à famílias inteiras que foram morar em barracos nas ocupações espalhadas por São Paulo.
“Eles prometiam terrenos e casas. Eu, minha irmã e minha cunhada demos o dinheiro. Minha irmã tem três filhos autistas e hoje vive num barraco, onde entram bichos, aranhas e cobras”, afirma R. (nome mantido em anonimato), uma das vítimas do consórcio Pasanaku.
“A perda do dinheiro acabou com a vida dela. O marido foi embora e ela cuida de tudo sozinha. Eu vivo há seis anos no Brasil, mas agora estou num barraco sem janelas e muito pobre”, completa a migrante que atualmente vive em uma ocupação na Penha, Zona Leste de São Paulo.
Menor de idade, E. enviou um depoimento comovente à produção desta reportagem sobre os desafios diários que passa junto com sua família. Sobrinha de R., ela cuida sozinha dos irmãos autistas, para que sua mãe possa trabalhar.
“Meu pai nos deixou depois que fomos vítimas desse golpe. Eu e minha mãe temos uma vida dura. Cuidamos dos meus três irmãos que têm autismo. Esse dinheiro que perdemos faz muita falta. Tenho certeza que nós poderíamos dar o tratamento necessário que meus irmão precisam”, lamenta E.
A jovem que também mora em um barraco contou que sua mãe trabalha demais para garantir o mínimo necessário e que as longas horas de trabalho têm debilitado sua saúde. Recentemente, precisou ser internada decido a um mal súbito.
Luta nas ruas e na Justiça
A CSP-Conlutas tem acompanhado as histórias das vítimas do consórcio Pasanaku desde 2021. A Central Sindical e Popular ajuda na organização política e faz todo apoio jurídico que necessitam as famílias.
Filiada à Central, a Associação União dos Migrantes Latinos é fruto deste processo de luta. A fundação da entidade ocorreu em maio de 2023 e seu objetivo é fortalecer não somente a comunidade boliviana, mas todos os povos que migraram pra São Paulo.
“Fundar a associação foi fundamental a nós bolivianos que estamos em situação de vulnerabilidade de nossos direitos. Chegar a CSP-Conlutas foi fundamental para buscar ajuda a nossos compatriotas”, afirma Tito Cezar Otondo, membro da direção da associação.
Tito tem trabalhado incansavelmente para que as famílias afetadas pelo golpe dos irmãos Chuquímia recebam de volta todo o dinheiro perdido.
No momento, a Associação União dos Migrantes Latinos está produzindo um jornal para a distribuição entre a comunidade. Além de denunciar o ocorrido, o objetivo é conquistar novos membros.
Além dos processos que correm na Justiça, Tito e seus companheiros e companheiras já realizaram protestos em frente à sede do Grupo Smart.
A CSP-Conlutas também faz o apelo para que todos divulguem essa história e participem das próximas mobilizações contra os empresários responsáveis por esta verdadeira tragédia.